ORIENTADOR LITERÁRIO
O CASO DO CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA
NOITE FELIZ
O espírito do Natal chegava no dia de armar a árvore. Eu tinha uns 4 para 5 anos. Não me lembro direito se era a mesma árvore ou se a cada ano era uma diferente. Mas, todas eram a árvore de Natal da minha casa, que eu, meus irmãos e minha mãe tínhamos montado juntos. Às vezes, meu pai estava também, outras ele vinha para a parte final, que era ligar o pisca-pisca "do jeito certo”. Minha mãe sempre colocava algodão em cada "galho” da árvore para parecer neve. A cada ano, surgiam enfeites novos que se juntavam aos que tinham sobrevivido nos anos anteriores. Lembro claramente de alguns. Era excitante, alegre e divertido.
Tinha o dia certo de escrever cartinha para o Papai Noel. Hoje, penso como minha mãe era hábil. Sempre escolhíamos os presentes que eles poderiam nos dar. Não porque pensássemos neste aspecto econômico, mas porque ela ia, aos poucos, nos induzindo. Incrível, quanta habilidade. Eles não tinham dinheiro para nos dar o que quiséssemos ou o que as propagandas sugeriam, meu pai era muito novo, militar do exército, capitão ainda. Mas, sempre davam o que pedíamos. O que mostra a capacidade de influência que minha mãe tinha sobre nós.
Eram Natais felizes, plenos. Fazíamos listinha com nomes de alguns amiguinhos que gostaríamos de dar presente. Cada uma tinha direito de escolher uns tantos. Eram só lembrancinhas, como dizia minha mãe.
Um dos Natais que mais me marcou foi quando ganhei minha primeira bicicleta. Era o meu maior sonho, na época. Sonhei com ela desde que havia passado de ano por média no colégio e minha mãe e meu pai me sugeriram que pedisse uma bicicleta para o Papai Noel, porque eles achavam que eu merecia e que Papai Noel saberia disso.
Fiquei confiante e escrevi a carta com a certeza de que meus pais tinham algum conhecimento lá com Papai Noel. Quando eu perguntava para minha mãe o que ela achava, se Papai Noel ia me dar ou não, ela piscava o olho e não dizia nada. Mas dizia tudo. Aquele piscar de olhos, para mim, era como se ela falasse claramente que tinha lá sua influência com o Bom Velhinho. E, quando a gente é criança acredita mesmo que mãe seja o ser que chega mais perto dos "seres encantados”.
Foram dias de ansiedade. Quando a gente é criança o tempo demora demais a passar. Perto de aniversário ou natal então chega a ser torturante. Não chega nunca.
Na noite de Natal, chegaram meus tios e primos, a ceia posta. E nada de dar meia-noite. Meu pai, mãe, tios, primos, irmãos e eu. Eles conversando com a porta do apartamento aberta, por onde entravam e saiam vizinhos, que também deixavam suas portas abertas e nos recebiam em algum momento da noite.
No Leblon, nas noites de Natal da minha infância, as portas dos apartamentos sempre ficavam abertas e os vizinhos faziam visitinhas rápidas só para dar Feliz Natal e comer uma rabanada.
Criança não liga para as comidas deliciosas que se faz no Natal. E, pior, ainda são obrigadas a comê-las... Estava tão ansioso que não cabia nem uma ervilha no meu estômago. Minha mãe entendeu e me dispensou daquele martírio.
De repente, algum adulto dá um alarme de que está vendo Papai Noel na janela do quarto, lá dentro.
As crianças correm que nem loucas, mas, não chegamos a tempo de ver, ele tinha acabado de passar na direção da janela da sala. Ouvimos o barulho.
Corre todo mundo de novo de volta para a sala e lá estava a minha primeira bicicleta: uma Monark verde, aro 12, freio contrapedal.
A emoção foi tão forte e a felicidade foi tão grande, que tive certeza que a sentiria para sempre, em todos os Natais que viriam depois.
Edmir Saint-Clair----------------------
A EMPATIA
O ser humano sempre buscou, incansavelmente, estabelecer conexões profundas e verdadeiras entre seu universo interior, original e único, e o mundo que o cerca. É essa busca que nos impulsiona a nos comunicarmos, a expressarmos nossos pensamentos, sentimentos e ideias.
Para que essa comunicação seja efetiva, é necessário mais do que simplesmente trocar palavras. É necessário a empatia. E empatia se aprende tentando, se esforçando para alcançá-la, para senti-la. Forçando o nosso cérebro a estabelecer um processo de conexões neurais eficientes com essa finalidade específica. É preciso ensinar o nosso cérebro . Simplificando, é preciso querer e trabalhar regularmente para atingir isso. Criar o hábito de pensar empaticamente. A empatia é uma habilidade superior que se pode desenvolver. É a potencialização de uma tendência natural do ser humano de se colocar no lugar do outro para tentar compreender uma situação. É ir além de sentir simplesmente uma compaixão passiva primária por uma condição alheia desfavorável. É mais do que isso. A empatia é capaz de gerar ação. É capaz de gerar significados maiores em todos os níveis de relacionamentos, e é capaz de dar um sentido maior à nossa existência.
A empatia é a capacidade de se colocar no lugar do outro, de compreender sua perspectiva e suas experiências, sem julgamentos. Ela nos permite ouvir e sermos ouvidos, valorizar e sermos valorizados, aceitar e sermos aceitos. Muitas vezes, é a única forma de despertarmos em nós mesmos sentimentos e emoções que desconhecíamos possuir. É a partir da empatia que somos capazes de ver a complexidade e singularidade de cada indivíduo, incluindo a nossa própria, e de nos conectarmos com ela de maneira autêntica e profunda. Uma conexão profunda só se estabelece em uma via de mão dupla. Quanto mais compreendemos mais nos sentimos compreendidos.
Na realidade, nunca conseguiremos sentir, na própria pele, toda a real intensidade de uma dor que nos é alheia. Que não dói em nosso próprio corpo ou mente. Essa é a nossa limitação como humanos. Por isso, exercitar e fortalecer a empatia é o melhor que podemos fazer para compreender o outro.
Sem a empatia, a comunicação
se torna superficial e vazia. As palavras se esvaziam de significados e os
relacionamentos se tornam superficiais e distantes.
Quando não nos esforçamos para compreender o outro, perdemos oportunidades de criar laços verdadeiros e estabelecer relações estáveis e duradouras. Sem ela, nunca conseguiremos ser bons pais, filhos, amigos, amantes ou sequer vizinhos.
A empatia não é apenas uma habilidade, mas uma necessidade evolutiva. Ela nos permite criar a conexão profunda que todos buscamos, e a satisfação que vem de compreender e ser compreendido. É a realização efetiva de uma verdadeira troca acolhedora e fértil de nossas emoções. É através da empatia que podemos construir um mundo mais compassivo e autêntico, onde as relações verdadeiramente significativas e compensadoras podem florescer.
Só através do olhar empático podemos superar o racismo, a homofobia, a misoginia, a intolerância religiosa, o xenofobismo e tantas outras mazelas humanas.
E de potencializar nossas
possibilidades de felicidade, agregar repertório ao nosso universo pessoal de
experiências, e dar um sentido maior à nossa própria vida.
Edmir Saint-Clair
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