O conheci apenas por bebermos cerveja no Clipper, na Rua Carlos Góes, nos fins de tarde após o trabalho. Sempre calado, falando o necessário ou apenas respondendo. Não se alongava nas conversas ou emitia opiniões muito pessoais, sempre esquivo. Mas, era simpático. Morava na mesma rua e nunca o víamos acompanhado. Ninguém sabia nada a seu respeito a não ser que tinha um filho, que só via nas férias. O molequinho era bem simpático, bem mais extrovertido que o pai. Nas poucas vezes em que o vi, estava sempre rindo e solícito com todos os amigos do Clipper, que davam atenção especial a ele.
Ele
era contador e trabalhava num escritório no centro da cidade, o que não
colaborava em nada para que conseguíssemos formar um quadro mais profundo sobre
a personalidade do nosso amigo tímido. Recusava sistematicamente os convites
para festas ou qualquer outro evento. A princípio, pensávamos que tinha amigos
em outro lugar, mas com o tempo percebemos que nunca estava sequer arrumado
para sair. Sempre só. Vestia-se discretamente e sempre que chegava ao bar, o
fazia de forma tímida. Encostava-se no balcão e pedia uma cerveja. Sempre
esperava que alguém o chamasse não se chegava por livre iniciativa.
Ante
véspera de natal. Estava na fila dos correios para despachar alguns cartões
quando o vi na fila de encomendas com uma caixa grande. Acenei e ele retribuiu,
logo que a despachou veio fazer-me companhia.
−
Tudo bem? Mandando presentes?
Perguntei.
−
Para meu filho. Ele está morando em São Paulo. Respondeu.
−
Paizão hein? Falei.
Ele
sorriu e tornou a olhar para o chão.
−
Aonde você vai passar o natal? Perguntei.
−
Por aí, não gosto dessas datas...
Aproveitei
para convidá-lo.
−
Vai um pessoal passar lá em casa. Todos os solteiros, separados e largados em
geral. Vai passar lá com a gente. A gente tinha mesmo ficado de te convidar, o
convite é da galera toda. Quem te encontrasse primeiro convidaria.
Ele
agradeceu, baixando novamente a cabeça, me pareceu ter gostado do convite. Só
achei. Voltamos caminhando juntos pelo Leblon, da Praça Antero de Quental até a
Rua Carlos Góes, e poucas vezes em minha vida, lembro-me de ter percebido tanta
solidão em uma pessoa quanto a que percebi nele durante este curto trajeto. A
solidão estava estampada em sua forma de caminhar, na sua maneira de falar de
futebol ou no desânimo de suas tentativas de risos. E, principalmente no olhar.
Uma pessoa tão fechada que não sabia como dizer-lhe que após esses anos todos
de chopp no Clipper, sentia-me seu amigo. Não falei. Ao passarmos pelo Clipper,
o chamei para tomarmos uma cerveja, mas ele disse que tinha de ir. Parou um
pouco adiante e me chamou:
−
Quero te agradecer pelo convite para o Natal. Muito obrigado.
Desta
vez, sua a emoção não foi imperceptível, deu-me um forte aperto de mão e vi que
seus olhos brilharam úmidos. Olhou para baixo seguiu seu caminho.
Comentei com os amigos que havia feito o
convite e a emoção de seu agradecimento. Todos se mostraram alegres por ele ter
aceitado, e percebi que todos ali também gostavam dele. Papo vai, papo vem, e decidimos dar um presente de Natal para ele. A Tininha se prontificou a
escolher e comprar. Fizemos uma vaquinha ali mesmo. Até o Seu Antonio, do Clipper, contribuiu
fato raríssimo.
Na noite véspera do natal,
estávamos lá em casa, animados, como sempre que passamos com quem gostamos. Lá
pelas duas da madrugada, percebemos que ele não viria. Lamentamos, mas isto em
nada alterou nossa grande noite. Afinal, ele nunca vinha mesmo. Violões rolando
até de manhã, e aqueles papos doidos que só acontece entre grandes e queridos
amigos.
Uma semana depois, a Tininha
aparece no Clipper chorando:
−
Estava descendo de casa e vi alguns móveis sendo colocados numa Kombi de
mudança e perguntei, pro Seu João, porteiro, de quem era. Ele disse que eram do
Ricardo e que ele havia morrido na noite de Natal, atropelado quando
atravessava a avenida Borges de Medeiros, no Jardim de Alah.
Todos
ali choraram a morte daquela pessoa solitária, que morreu sem saber que tinha
amigos e que ganharia um presente de Natal.
Nunca soubemos se ele estava indo ou não cear com a gente naquela noite.
- Edmir Saint-Clair