Jorge havia passado sete anos no Tibet. Não porque fosse um espiritualista nato, mas para fugir de uma grave acusação envolvendo brigas de gangues que haviam culminado em homicídio. Ele não tivera participação direta no evento, mas fazia parte da turma que participou do crime e não tinha como provar que não estava no local no momento do ocorrido. Sem lhe restar esperança, sua família o sugeriu uma fuga para algum lugar onde não pudesse ser encontrado.
Jorge tinha um primo que se tornara, há pouco, monge no
Tibet, que lhe ofereceu abrigo até que as coisas serenassem no Brasil. Para um
praticante de lutas e frequentador assíduo de brigas de rua ou qualquer coisa
parecida, seria uma mudança absoluta e, muitos apostaram, impossível.
Sem opção, Jorge partiu rumo ao Tibet. A caminho do
mosteiro onde ficaria hospedado, teve acesso as últimas notícias sobre o julgamento
de seu caso. Ele havia sido sentenciado há 8 anos de prisão, em regime fechado.
Jorge deu graças a Deus por estar tão longe, não suportaria nem um mês numa
penitenciária brasileira. Esse pensamento serenou sua alma.
Sete anos depois, Jorge aterrissa no galeão de volta a sua
cidade natal e já resolvido com a justiça brasileira. É seu recomeço.
Sente-se um homem completamente diferente daquele valentão
ridículo que fora um dia. Os ensinamentos que recebera o transportaram para outra
dimensão dentro de si mesmo. No caminho até a casa dos pais, em Copacabana a
primeira coisa que reconheceu foi a decadência do aeroporto, que já estava
decadente há sete anos. A segunda, foi o cheiro da baía de guanabara saindo da
ilha do governador. Nada mudara, mas, para ele, tudo mudara. Lembrou-se de um
dos princípios básicos da sabedoria tibetana: quando você muda por dentro, tudo
por fora muda junto.
Era verdade, nada do que via o incomodava mais.
Assim que terminou de tomar o café da manhã de boas-vindas
que os pais lhe haviam preparado, resolveu ir até a praia de Copacabana, sua
areia natal. Seus novos ares monásticos eram puro êxtase com tudo a sua volta. Os
pais, o velho porteiro do prédio, a secretária doméstica que o viu crescer e
todos que o viam exclamavam sobre a mudança impressionante que Jorge havia
sofrido.
Jorge, a cada observação de alguém, pensava:
“A mudança interior, realmente, provoca muitas mudanças no mundo ao redor."
Chegou na praia, sentou-se, colocou seu celular e sua carteira
ao lado e assumiu a postura tradicional de meditação. Havia poucas pessoas
naquele dia nublado. Fechou os olhos e, ao som do barulho das ondas, meditou
profundamente, Estava em paz.
Quando abriu os olhos, seu celular, sua carteira e toda
calma e serenidade, que havia trazido do Tibet, haviam sumido.
Copacabana não é para amadores, nem para monges.
Depois disso, Jorge desistiu de fundar um templo para meditação e abriu mais uma academia de Jiu-Jitsu em Copacabana.
Edmir St-Clair