A multidão
contemplava embevecida aquele show de luz e sombras, enquanto o sol se deitava,
aos poucos, aconchegado pelos dois irmãos. O mar, o sol e a montanha reunidos
pelo sublime espetáculo diário da natureza
carioca.
Assim que se
posicionou na pedra ele a viu pela primeira vez. Ela também.
A partir daquele
olhar ele ficou alheio a tudo mais que acontecia em volta. Ela estava fitando-o
de forma acintosa, involuntariamente, e ele também. Menos de dez metros de
distância, mais as dezenas de pessoas entre eles, os separavam.
Apenas olhavam-se
fixamente, e a distância não impedia que fosse evidente que as pupilas de ambos
haviam se conectado além de tudo e todos. Além deles mesmos.
Não sorriram, não
piscaram, não fizeram menção alguma de se aproximarem, estavam imóveis e
absurdamente focados. Em transe profundo.
Enquanto ouve luz
suficiente para o olhar humano distinguir traços no escuro, ficaram onde
estavam, imóveis, ligados por algo indescritível que nunca haviam sentido antes,
até o sol se pôr completamente e a vida virar noite.
Saíram misturados
a multidão, sem que se encontrassem.
Passou-se 40
anos.
De novo um Pôr do
sol no Arpoador, num verão.
Se reconheceram
pelo olhar, apesar das implacáveis marcas do tempo nos rostos, nos corpos e nas
almas de cada um. Depois de toda uma vida, eles estavam no mesmo lugar, a mesma
distância e num momento tão sublime quanto aquele que jamais haviam esquecido.
Novamente,
permaneceram no mesmo transe de antes, enquanto a natureza dava seu mesmo
espetáculo de todos os verões.
Permaneceram
exatamente como há 40 anos. As pupilas engolidas pelas outras pupilas, à
distância, saciando a fome da alma.
Não se
aproximaram. Não valia a pena tocar aquela lembrança tão suave, profunda e
intensa com as duras e ásperas mãos da realidade. Sabiam que estavam sentindo
exatamente a mesma coisa. O mesmo sentimento habitava os dois corpos ao mesmo
tempo. O Inexplicável, o etéreo e o sublime novamente se encontraram.
Por algum motivo
muito além da razão, eles souberam exatamente o que tinham que fazer.
Então, eles
levaram um ao outro consigo para sempre, intocáveis.
Edmir St-Clair