Ela especial e única.
− Angie!
Era só eu a chamar e ela largava o que estivesse fazendo ou
comendo e corria para ao meu lado o mais rápido que conseguia.
Era Linda, era muito doce e minha melhor amiga.
Era uma Cocker Spaniel Inglesa, caramelo e branca, com
orelhas longas e o olhar mais cativante e amável que já vi na vida. Uma
princesinha que trazia em si toda a alegria do mundo.
Ela foi um presente de meu grande amigo Bode.
- Bode não, Carlinhos!
- Que Carlinhos?
- O Bode.
Fui buscá-la em Jacarepaguá numa noite de verão, estrelada
e quente. A noite em que a conheci tinha uma lua cheia diferente, e ela era
ainda bem filhotinha, tinha entre dois e três meses de vida.
Os primeiros dias na nossa casa foram de deslumbramento
mútuo.
Logo não tive dúvidas: Ou, ela era uma pessoa encarnada numa cadela, ou eu era um cachorro, encarnado num adolescente.
Falávamos a mesma língua. Um Amor à primeira vista daqueles
bem espontâneos e legítimos. Ela parecia
a personagem Lady, do desenho A Dama e o Vagabundo de Walt Disney, e o
vagabundo, naquele caso, era eu sem dúvida alguma. Ela tinha nobreza, ela era uma
autêntica Lady. Uma obra de arte da natureza. Uma doçura e um charme natural
que conquistava a todos que a viam.
Ela foi a Cocker spaniel inglesa mais adestrada que conheci e nunca precisou usar coleira para nada, nem para atravessar a rua ao meu lado. Aprendeu brincando e nunca dei uma palmada sequer. Era obediente como um cão adestrado por profissionais. Não me recordo de tê-la ensinado a não fazer as necessidades em casa, até mesmo porque eu não saberia como fazê-lo, mas a partir de pouco tempo, ela simplesmente não fez mais. Mesmo quando estava super apertada, esperava tempos intermináveis até que eu a levasse para passear. Havia um entendimento mútuo fascinante.
Ela não latia. Num certo momento, até achei que ela poderia ser
muda. Ela já estava com quase um ano de idade e nunca a tinha ouvido latir. Até
que a ouvi. Um latido meio rouco, engraçado, diferente e com personalidade. O
latido único e inconfundível da Angie, nunca mais ouvi nenhum outro cão que
latisse daquele jeito.
Ela ia comigo para todos os lugares. Onde não podia entrar,
ficava me esperando do lado de fora, o tempo que fosse necessário.
Só quem tem ou já teve um companheiro canino sabe a que
profundidade essa relação pode chegar.
Bobagem tentar ficar explicando cada momento de
compreensão, carinho, companheirismo e amizade incondicional que essa relação
mágica com a minha grande parceirinha Angie trouxe para mim.
Na praia, na chuva ou na fazenda estávamos sempre juntos.
Adorava um carinho, mas não era carente. Nem quando teve cria ficou brava. Os
amigos iam olhar os filhotes e ela não se alterava. Era uma cachorrinha segura
e tranquila. Acreditava na bondade humana.
Sempre tive o costume de passear tarde da noite pelo Leblon
e ela era minha companheira inseparável. Nos dias úteis, as noites do bairro
são sempre bem tranquilas e não tem quase ninguém nas ruas.
E lá íamos, eu e a Angie, sem coleira e saltitante, às 2 horas da manhã até a
Pizzaria Guanabara, onde eu comia um pedaço de pizza calabresa com um mate, que
comprara antes no BB lanches.
E, voltávamos caminhando, às vezes pela praia, em Incontáveis
noites e memoráveis conversas que só eu e ela conseguíamos trocar.
Ganhei a Angie logo depois que minha família se mudou para Brasília e eu havia ficado no Rio de janeiro. Tinha 17 anos e nunca tinha morado sozinho antes, sempre com meus pais e irmãos.
A sensação de liberdade
era maravilhosa, mas tinha momentos de solidão e de saudades da casa cheia. Ter
que cuidar de mim fazia eu me sentir inseguro e sozinho à noite.
Às vezes me sentia adulto e outras criança. Às vezes, eu cuidava da Angie, outras vezes era ela que cuidava de mim.
A Angie sabia se aninhar no meu colo quando eu estava
triste. Ela sabia quando eu precisava disso e sempre me acolhia.
Nunca existiu, na história do mundo, um olhar mais
carinhoso e acolhedor do que o olhar especial de uma Cocker spaniel inglesa
chamada Angie.
A minha Angie.
- Edmir Saint-Clair
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