ORIENTADOR LITERÁRIO

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O CASO DO CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA

 

Reginaldo começou a trabalhar na agência de uma forma bastante peculiar. Exatamente na mesma manhã em que o último estagiário de redação havia sido sepultado no cemitério São João Batista, após morrer no dia anterior num trágico acidente de moto. 
 
Quando o pessoal voltou do enterro, Reginaldo já estava sentado esperando para ser entrevistado para o cargo de estagiário de redação. A tragédia e o volume de trabalho tramaram a seu favor e a partir daquela manhã Reginaldo começou a estagiar na agência.
 
Na primeira semana já começou a se destacar apresentando trabalhos e soluções criativas muito acima da média para alguém que nunca tinha estagiado em criação publicitária antes. Para os diretores e o pessoal da criação aquela era a sorte grande. Não é sempre que aparece um talento daquele quilate no mercado, ainda mais na figura de um estagiário não remunerado. 
 
O jovem não aparentava mais de 22 anos e rapidamente começou a ser visto como um gênio muito promissor. Mas, sua personalidade era uma incógnita para todos. Era simpático e acessível a todos os colegas de trabalho sem, entretanto, jamais participar das socializações do pessoal nos botecos e restaurantes após o expediente. Mesmo no almoço, quando sempre almoçava com os colegas do departamento de criação, não se demorava e nunca ficava para o cafezinho com o papo furado tradicional. 
 
Assim que acabava de comer dava a desculpa de ir ao banco e só reaparecia de novo na agência, já para cumprir o expediente da tarde. 
 
O pessoal começou a ficar impressionado com a quantidade de vezes na semana que Reginaldo ia ao banco depois do almoço. Em tempos de internet banking, aquilo não fazia o menor sentido para alguém que trabalhava o dia inteiro na frente de um computador conectado permanentemente à internet. E não demorou para começar a surgirem suposições; aonde iria Reginaldo todos os dias após o almoço?
 
O certo é que, sempre que a equipe precisava criar alguma campanha mais robusta, Reginaldo chegava do “banco” com algumas grandes ideias, geralmente aplaudidas por toda a equipe e premiadas nas competições de publicidade. 
 
O ritual era sempre o mesmo; Reginaldo chegava calado, sentava-se na sua estação de trabalho e dali há pouco tempo lá vinha ele com todo o conceito da nova campanha pronto para ser trabalhado pela equipe. 
 
Apenas alguns meses após sua chegada, a agência havia crescido e toda a equipe de criação recebera os louros das brilhantes campanhas imaginadas por Reginaldo. A relação entre o pessoal da equipe se aprofundou naturalmente pela convivência e pelo sucesso, e a camaradagem era cada vez maior. Inclusive com Reginaldo, apesar dele nunca acompanhar o pessoal no chope tradicional no boteco da esquina. 
 
O burburinho começou pela ideia do Victor, diretor de arte que duplava com Reginaldo e, por isso, era mais próximo a ele. Bolaram um plano. Já que a rotina era sempre a mesma, eles esperariam Reginaldo terminar de almoçar com eles e sair para “ir ao banco”. Victor esperaria um pouco e seguiria Reginaldo. 
 
Todos pediram o cafezinho, menos Reginaldo que comunicou sua tradicional ida ao banco. Victor esperou um pouco e saiu atrás dele, se esgueirando pelas árvores e carros da rua Dona Mariana. 
 
    Atravessaram a rua Mena Barreto e continuaram até Reginaldo entrar por um portão lateral de serviço no Cemitério São João Batista. Aquilo estava se tornando cada vez mais esquisito. Victor continuou a segui-lo furtivamente por entre as sepulturas, cada vez mais curioso. Era dali que Reginaldo tirava suas inspirações? Teria ele algum pacto com o outro lado? Aquilo estava ficando bizarro. 
 
Victor continuou se esgueirando por entre os mausoléus cheios de esculturas de anjos, santos e figuras divinas, todas com plaquinhas com fotos e dados dos sepultados. Ele seguiu Reginaldo até a parte mais central do cemitério, para onde ele se dirigia de forma firme e determinada, ele sabia aonde estava indo. Até que entrou por um dos becos ladeados por sepulturas, cujo final terminava num enorme mausoléu ornado com estátuas de arte sacra muito bem cuidadas. Victor chegou a tempo de ver Reginaldo entrando no mausoléu e fechando o portão de ferro atrás de si. Se antes já estava bizarro, agora Victor nem sabia mais nomear o que estava sentindo. Uma mistura de curiosidade atroz com um medo de gelar a espinha. Mas, já que chegara até ali...
 
Foi se aproximando furtivamente até chegar a entrada do imponente mausoléu. Olhou ao redor, o silêncio era total. Olhou para o alto da estrutura que parecia ser de mármore procurando algum nome de família ou qualquer referência de identificação. Viu apenas uma enorme pirâmide com um olho aberto, esculpida em alto relevo no mármore. Ele a reconheceu por ser a mesma marca que as notas de dólar americano trazem impressa. O olho que tudo vê.
Victor se aproximou do portão de ferro que estava levemente entreaberto, colocou apenas a cabeça para dentro e ouviu a voz de Reginaldo:
- Bem-vindo, Victor.
 
Desde aquele dia, após o almoço, o pessoal da agência, a família e os amigos de Victor esperam pela volta da dupla. Reginaldo jamais foi procurado por alguém. Na agência, ninguém sabia sequer o sobrenome dele, já que ele era um estagiário sem contrato de trabalho, nem remuneração. Não havia registro algum da existência de Reginaldo.
 
Nunca mais nenhum dos dois foi visto.
 
Edmir Saint-Clair

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