- Bom dia, “Seu” Tatá! Saudou o porteiro.
- Bom dia, campeão!
É assim que o Sr. Otávio é conhecido e cumprimentado por todos naquele quarteirão de Copacabana. Seu Tatá é conhecido por todos os comerciantes legais e ilegais daquela região. Depois da morte da esposa, a manifestação de solidariedade de todos o deixou ainda mais próximo e grato a todas aquelas pessoas que o adotaram. Graças ao apoio que recebeu, em vez de se trancar em casa, passou a circular pela região só para conversar com o pessoal. Após o luto, recuperou-se de tal forma que poucos poderiam imaginar.
Não tinha filhos,
morava sozinho e tinha uma aposentadoria que lhe bastava. Mas, o que mais
colaborou para a recuperação do seu Tatá, depois da viuvez, foi o reencontro
com os amigos da juventude que ainda estavam vivos, depois que a filha do vizinho
o convenceu a comprar um notebook e abriu uma conta para ele em todas as mídias
sociais.
Ele se deslumbrou. Passava horas e horas procurando antigos
amigos, namoradas, conhecidos, recortes de jornais de época, vídeos antigos e
tudo mais que fazia parte de sua memória afetiva. Em algumas tardes, voltava no
tempo.
Segundo seu médico, ele vinha apresentando melhoras em todos
os índices e marcadores que os exames podem mostrar. Seu estado de espírito
parecia ter sido mergulhado na fonte da juventude. Para completar o quadro, encontrou
5 amigos que ainda estavam vivos, pelo facebook e, pasmem, que ainda moravam em Copacabana.
Passaram a se encontrar todos os dias na praça do Bairro
Peixoto, onde se divertiam e partilhavam memórias e vivências.
Seu Tatá parecia ter voltado à juventude. Até o dia em que
acordou com o barulho de máquinas bem embaixo de sua janela. Era no terreno ao
lado, que estava sendo preparado para virar um galpão para estacionamento.
Ele aguentou o barulho por vários dias, apesar daquilo o irritar profundamente.
Mas, fazer o quê? Pelo menos durava só até umas 5 horas
da tarde.
Até o dia, ou melhor a noite, em que a obra do piso
cimentado estava no final e três máquinas semelhantes a grandes enceradoras domésticas
antigas, do seu tempo, invadiram a noite com seus barulhos não muito altos, mas
extremamente irritantes.
Quando Seu Tatá acordou de um cochilo, às 8 horas da noite,
as máquinas ainda estavam trabalhando e aquilo o irritou ainda mais. Com
certeza, aqueles infelizes iriam até às 10 da noite com aquele barulho. Se não
parassem ele ligaria para a polícia, afinal é para isso que existe a Lei do silêncio,
pelo menos na época dele existia e as pessoas e as obras respeitavam certas
convenções de boa vizinhança.
Às 10:30 da noite não havia nem sinal de que as máquinas
iriam parar. À essa altura, Seu Tatá já estava bastante irritado e sentia-se
enraivecido como há tanto tempo que nem se lembrava mais. Pegou o telefone para
ligar para a polícia e pensou que de nada adiantaria. Iria demorar tanto até a
polícia chegar, se chegasse, que os operários já teriam parado e de nada teria
adiantado sua irritação e o chamado telefônico.
Mas, ele precisava fazer alguma coisa.
Foi até a geladeira se lembrando de como era bom ter sido
um moleque bicho solto...Só de pensar no que iria fazer sua pressão arterial
diminuiu, sua glicose baixou e quase teve uma ereção.
Pegou uma caixa de ovos, apagou as luzes do apartamento,
fechou as cortinas, mas não as janelas. E começou a jogar os ovos nos três
homens que operavam as máquinas e em mais um que fiscalizava. Jogava e se escondia,
rindo sem parar. Cada ovo jogado era uma sessão de risadas. E o velho tinha uma
excelente mira...
O que lhe causou uma crise de riso impagável.
Não precisou mais do que meia dúzia de ovos para que a primeira
máquina fosse desligada e em seguida as outras.
Naquela noite Seu Tatá dormiu com um anjinho.
Edmir Saint-Clair
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