Luciano sempre fora um
pensador e, desde jovem, sentiu a necessidade de se aprofundar em próprias
suas emoções. Fazia parte de um grupo de amigos de infância que crescera junto. Eram amigos há décadas e tinham um forte
vínculo fraternal e um carinho desenvolvidos a partir de uma infância feliz e divertida.
Até que, naquele dia, percebeu e não conseguiu mais esconder de si mesmo o que lutara
muito, e há tempos, para não constatar; ele era muito diferente dos queridos amigos.
Enquanto somos crianças e
adolescentes tudo que se deseja é ser igual a nossa turma. Ser diferente, em
qualquer sentido, é apavorante para um adolescente. Ninguém quer ser nem o mais
alto, nem o mais baixo, nem o mais isso, nem o mais aquilo. Queremos ser
absolutamente iguais. Queremos nos ver nos outros e ver os outros em nós
mesmos.
Nessa fase, pode-se e deve-se
ser completamente diferente dos adultos envolta, mas, total e completamente
igual aos membros do mesmo grupo. Tudo tem que ser igual: as roupas, os
horários, os colégios, os jeitos e trejeitos, a linguagem, o jeito de falar, de
andar, as músicas que ouve, o estilo de dançar, de espirrar, de namorar e,
principalmente, de pensar. Qualquer respiro que saia do modelo é reprovado
veementemente pelo próprio indivíduo. Não é permitido sair daquele roteiro nem
sozinho em casa e trancado no banheiro.
Até ali, Luciano fora capaz de
se comportar absolutamente dentro de todos os padrões, com pequenas diferenças
que conseguia esconder com uma aptidão já diferenciada. Começou a tocar
violão e compor músicas muito cedo com a única intenção de impressionar as
meninas, se inscreveu e ganhou festivais de colégios pelos mesmos motivos. Se
sobressaía, involuntária e distraidamente, nas manifestações artísticas das
quais se aproximava. Ele sempre se sentia atraído pelas coisas criativas e diferentes.
Mas, o que mais prezava era
seu grupo de amigos que, por sua vez, não tinham nenhum outro interesse a não
ser jogar bola.
Na passagem para a próxima fase da vida, a turma de infância se afastou pelas circunstâncias naturais da vida
adulta e as obrigações e tarefas que ela impõe a todos. A travessia da
adolescência para a adultice significa deixar para trás, e para sempre, muita
coisa. Para a grande maioria significa um “entrar nos trilhos” literalmente.
Com toda a rigorosidade e ausência de espaço para manobras e movimentos não
previstos, que uma linha férrea impõe. É a hora em que os questionamentos não
são mais tolerados e a grande maioria assume, como seu, o papel que a sociedade
lhe aponta e impõe. Exatamente “como nossos pais”.
E desistem de suas
individualidades, de suas peculiaridades e de suas diferenças, como se não
houvesse outra saída. Vão ser outras entidades, vão viver outras vidas, a
maioria muito longe de si mesmo. Vão casar, trabalhar, reclamar, se aposentar, vão
se arrepender e vão morrer. Já está tudo previsto. Nada será novidade.
Surpresas? Provavelmente sim, mas nada surpreendente.
No final, sequer se lembrarão do
que sonharam, pensaram e desejaram...Há muito não se pertencem mais.
Mas, alguns não seguem pela
estrada de ferro e vão abrir outras trilhas e seus próprios caminhos, sem
trilhos prontos. Tem que ter coragem para sair dos trilhos, mas é necessário
para não se descarrilhar de si próprio.
Luciano é um desses.
E, com tristeza, teve que se despedir dos amigos de infância naquele ponto da estrada, teve que saltar do trem daquela história, que não era mais a dele.
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