ORIENTADOR LITERÁRIO

O ORIENTADOR LITERÁRIO é um profissional que acompanha, ensina e participa de todo processo de criação de um livro. - - - - -- UM PROFISSIONAL EXPERIENTE, especializado em redação criativa, capaz de despertar toda a sua criatividade potencial escondida. = - - - - - - UM PROFESSOR que vai transformar a sua forma de criar e escrever; - - - - - - Experimente, é terapêutico e libertador. - - - - - - AS HISTÓRIAS QUE SÓ VOCÊ TEM PARA CONTAR VÃO FICAR PARA SEMPRE.

TUDO É MUITO RELATIVO...

 

                O Sr. Montelate mora há tanto tempo no bairro que ninguém mais sabe dizer há quantas décadas. Já faz parte do mobiliário urbano da região do bar Clipper. Mas, é conhecido em todos os bares, docerias, lanchonetes e barraquinhas de cachorro quente da esquina do Shopping Leblon até os bares da praça do Jóquei. Sempre foi idoso, a impressão que se tem é que ele já nasceu idoso. Seus filhos já são idosos, seus netos quase e seus bisnetos praticam todos os esportes que existem pela orla, do leme ao pontal. Todos são exemplos de sáude desportiva. Seus filhos já foram mas, há alguns anos, começaram a ser vistos com o pai frequentando todos os botecos e restaurantes do Leblon.

A família é movida à álcool e gordura animal. A partir de certa idade, eram o pior exemplo de péssima alimentação que se pode imaginar. Não se sabe bem como o Sr. Montelate era antes de entrar nessa fase, mas conta-se que ele foi um dos primeiros surfistas do Arpoador. Ele desmente. Diz que só descobriu a vida com as linguiças fritas dos botecos, o rabo-de-galo do finado Senegal e com as comidas de raiz, como ele as chama. Tudo numa época em que a única distinção que comida de boteco ganhava era o lacre de interdição da vigilância sanitária. Hoje é tudo gourmet.

Sua idade é um mistério, mas sabe-se que é bem antigo. Todos os seus contemporâneos do bairro já faleceram, há muitos anos, corre a lenda de que ele é o mais antigo morador original, seja o que isso queira dizer, significa muito tempo. E o Sr. Montelate está, assiduamente, em todos os enterros, sempre  choroso, saudoso e queixoso:

 "- Eu vi esse garoto no carrinho de bebê com a mãe...” 

Aquele “garoto”. ao qual ele se referia acabara de falecer aos 87 anos!

E lá continua ele em seu périplo pelos botecos, linguiças, enterros, frituras nadando em óleo e sanduíches de pernil com meio centímetro de gordura ensopada no limão com os quais se delicia diariamente. Tudo regado ao seu sagrado chopp e shots de pinga pura.

Ele conheceu meu saudoso avô, meu falecido pai, conhece meu filho, minha neta e, com certeza, conhecerá minha bisneta que ainda nem está encomendada. E continua comendo tudo que comia antes e mais os sanduíches de fast foods que inauguram sazonalmente no bairro e que diz ser a melhor invenção da modernidade.

O Sr. Montelate é um verdadeiro highlander das gorduras dos botecos cariocas. Sabe de cor o nome de todos os que se tornaram lendas: Tio Sam, Senegal, Ferreira, Pára Pedro, Bar do Jóquei e alguns que nem nome tinham e, se tinham, ninguém nunca soube.

Hoje, me lembrei do Sr. Montelate quando passei pelo Clipper, vindo da consulta com meu médico. Senti o cheirinho do pernil que acabava de sair do forno, borbulhando na gordura, e lembrei das recomendações que acabara de receber com a receita para hipertensão:

- Evite álcool, gordura animal, frituras em geral e sal em excesso.

Quando passei pela porta do bar, o Sr. Montelate estava no balcão a segundos de abocanhar um gordo e suculento sanduíche daquele pernil divino.

E pensar que os netos dele jogam a mesma pelada que eu jogava até semana passada e da qual terei de me aposentar pela idade...

Fiquei com pena daquele senhorzinho, provavelmente centenário, afinal, o Sr. Montelate ainda vai chorar muito nos enterros desse pessoal todo...coitado.

Edmir Saint-Clair

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