O Sr. Montelate mora há tanto
tempo no bairro que ninguém mais sabe dizer há quantas décadas. Já faz parte do mobiliário urbano da região do bar Clipper. Mas, é conhecido em
todos os bares, docerias, lanchonetes e barraquinhas de cachorro quente da
esquina do Shopping Leblon até os bares da praça do Jóquei. Sempre foi idoso,
a impressão que se tem é que ele já nasceu idoso. Seus filhos já são idosos,
seus netos quase e seus bisnetos praticam todos os esportes que existem pela
orla, do leme ao pontal. Todos são exemplos de sáude desportiva. Seus filhos
já foram mas, há alguns anos, começaram a ser vistos com o pai frequentando
todos os botecos e restaurantes do Leblon.
A família é movida à álcool e gordura animal. A partir de certa idade, eram o pior exemplo de péssima alimentação que se pode imaginar. Não se sabe bem como o Sr. Montelate era antes de entrar nessa fase, mas conta-se que ele foi um dos primeiros surfistas do Arpoador. Ele desmente. Diz que só descobriu a vida com as linguiças fritas dos botecos, o rabo-de-galo do finado Senegal e com as comidas de raiz, como ele as chama. Tudo numa época em que a única distinção que comida de boteco ganhava era o lacre de interdição da vigilância sanitária. Hoje é tudo gourmet.
Sua idade é um mistério, mas sabe-se que é bem antigo. Todos os seus contemporâneos do bairro já faleceram, há muitos anos, corre a lenda de que ele é o mais antigo morador original, seja o que isso queira dizer, significa muito tempo. E o Sr. Montelate está, assiduamente, em todos os enterros, sempre choroso, saudoso e queixoso:
"- Eu vi esse garoto no carrinho de bebê com a mãe...”
Aquele “garoto”. ao qual ele se referia acabara de falecer aos 87 anos!
E lá continua ele em seu périplo pelos botecos, linguiças, enterros, frituras nadando em óleo e sanduíches de pernil com meio centímetro de gordura
ensopada no limão com os quais se delicia diariamente. Tudo regado ao seu
sagrado chopp e shots de pinga pura.
Ele conheceu meu saudoso avô, meu falecido pai, conhece meu
filho, minha neta e, com certeza, conhecerá minha bisneta que ainda nem está encomendada. E continua comendo tudo que comia antes e mais os sanduíches
de fast foods que inauguram sazonalmente no bairro e que diz ser a melhor
invenção da modernidade.
O Sr. Montelate é um verdadeiro highlander das gorduras dos
botecos cariocas. Sabe de cor o nome de todos os que se tornaram lendas: Tio
Sam, Senegal, Ferreira, Pára Pedro, Bar do Jóquei e alguns que nem nome tinham
e, se tinham, ninguém nunca soube.
Hoje, me lembrei do Sr. Montelate quando passei pelo
Clipper, vindo da consulta com meu médico. Senti o cheirinho do pernil que
acabava de sair do forno, borbulhando na gordura, e lembrei das recomendações
que acabara de receber com a receita para hipertensão:
- Evite álcool, gordura animal, frituras em geral e sal em
excesso.
Quando passei pela porta do bar, o Sr. Montelate estava no balcão
a segundos de abocanhar um gordo e suculento sanduíche daquele pernil divino.
E pensar que os netos dele jogam a mesma pelada que eu
jogava até semana passada e da qual terei de me aposentar pela idade...
Fiquei com pena daquele senhorzinho, provavelmente
centenário, afinal, o Sr. Montelate ainda vai chorar muito nos enterros desse
pessoal todo...coitado.
Edmir Saint-Clair
-------------------------------------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário