Ninguém o convidava mais para nenhum evento social do condomínio de alto luxo em que morava há pouco mais de quatro meses, na Barra da Tijuca. Era arquiteto e andava ganhando concorrências públicas aos montes, graças aos conhecimentos do pai e do sogro que, juntos, lhe garantiam trabalhos. Ele era talentoso e sempre se dedicara aos estudos, nem precisaria das mamatas. Mas, nunca saberia disso, uma pena para sua autoestima. Esses trabalhos, ainda lhe garantiam boa mídia, que lhe garantia novos trabalhos, que lhe pagavam cada vez mais. Ou seja, ele estava mais do que garantido, numa espiral ascendente. Um perfeito produto das capitanias hereditárias cariocas.
Mas,
de nada adiantava seu sucesso naquele reduto de iguais. Parecia que ninguém
gostava de sua presença. Até que sua esposa lhe jogou na cara com todas as letras:
- A
mulher do Dantas me falou que ninguém te aguenta porque você ganha todas.
-
Como assim?
-
Ela disse que em todas as dúvidas nas conversas você está sempre certo...ninguém aguenta mais.
Então,
o problema era esse! Por isso, em tão poucos meses, ninguém comentava mais nada
na frente dele...
Aquele condomínio era composto por moradores absolutamente iguais e qualquer um que apresente uma diferença perceptível é rejeitado. Se for escamoteado, tudo bem, todo mundo finge que não sabe. Tipo; todo mundo é, mas todo mundo finge que não é, e todo mundo finge que acredita. Sinceridade, nem pensar, é feio.
O grande pecado de Felinto era raciocinar e ter uma certa cultura e, por isso, nunca tinha dúvidas e estava sempre certo sobre a maioria os temas nas conversas. Não que fosse um gênio, os outros é que deixavam muito a desejar...e não se importavam com isso.
No
meio daqueles $abichõe$, e em tempos de Google, uma dúvida não leva mais que 15
segundos para ser sanada. E fosse qual fosse o assunto não tinha erro, o
Felinto estava sempre certo. Um belo sábado, em que ele chegou no bar dos tenistas,
onde o pessoal se reunia, apesar de ninguém jogar tênis, uma
discussão acalorada sobre em que ano foi lançado o Chevette acontecia. Felinto não teve dúvida e falou:
-Dia
24 de abril de 1973.
Todos ficaram em silêncio. Sabiam que Felinto estava certo, ele sempre estava. E, na milésima vez, ninguém mais ousou contestar-lhe. Nem naquele dia, nem em qualquer outro. Havia sido a gota d'água. A partir dali, sempre que Felinto chegava num ambiente onde uma conversa acontecia, o silêncio baixava. Ninguém queria correr o risco de falar algo errado e passar a vergonha de ser corrigido em público pelo Felinto. Ficou conhecido como o "desmancha bolinho" do condomínio, onde ele chegava o grupo se dispersava rapidamente.
Até que aquele dia, sua esposa teve a ideia que salvaria suas vidas
comunitárias. Combinaram a estratégia e a esposa ficou de conseguir uma
oportunidade para que pudessem colocá-la em prática.
Com
pena do casal, as esposas do condomínio (esposa em condomínio da Barra não tem
nome, é só esposa) resolveram ajudar a pobre da Marilda, esposa do Felinto.
Elas
organizariam uma festa e não avisariam aos maridos que o casal Felinto e
Marilda seria convidado. Quando todos já tivessem chegado, o casal rejeitado
apareceria de surpresa, não dando opção de fuga aos convidados.
Na
ocasião, uma das esposas louras do condomínio combinou com Marilda que faria perguntas
ao Felinto, e este teria que responder errado. Ela faria uma segunda, e de novo
ele deveria errar. E assim por diante, até que sua fama estivesse
completamente arruinada. Não seria difícil, os $abichõe$ de condomínios da
Barra não são muito espertos para coisas que exijam raciocínio.
Chegada
a grande noite, o casal esperou ansioso o horário combinado. Eles deveriam
chegar apenas após os últimos convidados. Seguiram a risca as instruções. Como
sempre, assim que entraram no deck da piscina onde se realizava o evento, o
silêncio foi tomando conta do local. Quando eles já começavam a se sentir por
demais incomodados, a anfitrião brada:
-
Felinto, duvido que você saiba em que ano foi lançado o forno de micro-ondas?
Silêncio
total. Além do inusitado daquela pergunta completamente aleatória e sem sentido, a anfitriã ousara mais do que qualquer um jamais se atreveria.
Felinto
quase responde na bucha, mas sua mulher consegue dar-lhe um beliscão a tempo.
Convicto como sempre, Felinto responde:
-
1957!
Seguem-se
os 15 segundos mais torturantes da vida de Marilda. Felinto parece tranquilo
enquanto todos os presentes consultam seus iPhones. De repente, ouve-se um
grito como se fosse um gol do Flamengo no maracanã:
-
Errooouuuuuu!!!!
Os
presentes vibram e festejam. Marilda é a mais empolgada. Mas, antes que a
vibração adormecesse, a anfitriã o desafia novamente:
- Felinto,
em que ano inventaram o secador de cabelos?
Fez
um silêncio ainda maior do que o primeiro.
Felinto
hesita, contempla a face alegre da esposa e responde:
-
1932!
Não
demorou muito até que todos os presentes explodissem num só grito:
-
Errooooouuuuu!!!
Outros se animaram e todos quiseram desafiar o Felinto, que vibrava cada vez que perdia. Marilda, finalmente, teve sua noite se sentindo uma legítima moradora de um condomínio da Barra da Tijuca.
A partir daquela
noite viveram felizes até um trair o outro. Ela com a vizinha do lado e
ele com o vizinho do outro. Mas, nenhum dos dois se mudou do condomínio e continuam amigos e felizes até hoje.
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