ORIENTADOR LITERÁRIO

O ORIENTADOR LITERÁRIO - especializado em redação criativa - desperte sua criatividade adormecida.

CONVERSAS NECESSÁRIAS - JÁ À VENDA

 
 

 

CONVERSAS NECESSÁRIAS

Memórias, Contos e Ensaios 

Há histórias que entretêm. Outras, que inquietam.
E há aquelas que nos encontram — no silêncio de uma lembrança, no espanto 
de uma revelação, ou naquele instante em que tudo parece fazer sentido.

“Conversas Necessárias” é um convite ao leitor que busca mais do que palavras:
busca entendimento, evolução e autoconhecimento.

Crônicas reais, contos fantásticos e ensaios filosóficos se entrelaçam 

neste livro que percorre o vivido, o imaginado e o pensado — 

com lirismo, ironia e profundidade.

Porque há conversas que mudam o mundo. E outras, que mudam a gente.


 

O SEGREDO

 

 O avô era um homem discreto, de poucas palavras e muitos silêncios. Tinha uma elegância natural e um senso de humor refinado, mas só se revelava a quem estivesse disposto a escutá-lo com atenção. E, nos últimos tempos, quase não tinha com quem falar. Sua vida regrada, metódica e correta não despertava a curiosidade de ninguém.

 Foi casado com a mesma mulher por mais de cinquenta anos, criou três filhos e aposentou-se como funcionário público. Para quem o conheceu superficialmente, era só isso: um bom homem, trabalhador, marido fiel, pai dedicado e avô amoroso. E era mesmo.

 Ninguém jamais imaginaria que ele tivesse algum segredo — era um homem acima de qualquer suspeita.

 O velório foi simples, como ele havia pedido. No salão pequeno e abafado da funerária do bairro, estavam todos reunidos: filhos, netos, sobrinhos, vizinhos e amigos. Gente emocionada, mas serena. Era como se todos já esperassem a sua partida.

 Foi então que, por volta das dez da manhã, entrou uma mulher desconhecida. Tinha cerca de 70 anos, a mesma idade de minha avó, usava um vestido azul-escuro e segurava uma rosa branca nas mãos.

Ela se aproximou devagar, parou diante do caixão, fez um leve aceno de cabeça e, em seguida, beijou a testa do avô com ternura. Depositou a rosa sobre seu peito e sussurrou algo que ninguém conseguiu ouvir.

 Ele a observou com atenção. Ninguém da família a reconhecia. Ficaram todos em silêncio, constrangidos, até que uma tia tomou coragem e perguntou:

 — A senhora conhecia meu pai?

 A mulher sorriu, com uma mistura de melancolia e carinho, e respondeu:

 — Sim, profundamente.

 E saiu. Simples assim. Sem explicar nada.

 Durante dias, o assunto na família e na vizinhança foi esse. Quem era aquela mulher? Por que dissera aquilo? Seria uma amante? Uma amiga do trabalho? Uma parente distante? Ninguém sabia — e ela nunca mais foi vista.

 A rosa branca secou dentro do caixão, e com ela, o segredo do avô. Nunca souberam o que houve entre os dois, nem se havia algo mesmo. Talvez fosse só nossa imaginação tentando dar um toque de mistério à vida de um homem aparentemente comum.

 Mas, para ele, não. Para ele, aquele momento revelou a parte mais fascinante de seu avô: a parte que ele escolheu manter só para ele. Um segredo que ele levou com dignidade, até o fim, para sempre.

 Edmir Saint-Clair

ONDE MORA O DEUS DE CADA UM

“Quem olha para fora, sonha.

Quem olha para dentro, desperta.”

– Carl Gustav Jung

 

    A espiritualidade, em sua forma mais honesta, não se revela em templos, nem se organiza em rituais.

  Ela se desenvolve de forma intuitiva, a partir daquilo que cada um vive, sente e interpreta.

  Em geral, começa influenciada pela família, mas só amadurece na medida em que cada um estabelece uma relação particular com essa dimensão interna.

  É uma experiência subjetiva e profundamente humana.

  Espiritualidade nada tem a ver com religião.

   A tentativa de institucionalizar a espiritualidade gerou uma legião de atravessadores da fé: padres, pastores, gurus, monges, líderes espirituais e vendedores de promessas.

  Todos se colocam entre o indivíduo e sua experiência interior, como se fossem corretores do sagrado.

  Criaram rituais, dogmas, doutrinas — e, com isso, mercados, hierarquias e dependências.

  Transformaram aquilo que deveria ser íntimo em espetáculo. E a paz da alma em produto vendável.

   A verdade é que a espiritualidade autêntica se parece mais com um ato íntimo do que com uma cerimônia pública.

  Ela exige recolhimento, presença integral e privacidade.

  Não deve ser compartilhada em voz alta, nem delegada a terceiros.

  Se fôssemos honestos, admitiríamos: a espiritualidade se assemelha muito mais à masturbação do que à missa, aos cultos ou a quaisquer outros rituais.

  É solitária, subjetiva, silenciosa.

   A neurociência já identificou padrões de ativação cerebral ligados a estados de contemplação profunda, meditação, êxtase e sensação de conexão com algo maior.

  Essas experiências não vêm de fora — são geradas internamente, no cruzamento entre memória, emoção, percepção e silêncio.

  Não há um “canal espiritual” universal. Cada cérebro constrói o seu.

  A transcendência, quando ocorre, é sempre uma construção subjetiva do próprio sistema nervoso.

  É uma descarga interna — e, por isso mesmo, intransferível.

   É mais fácil seguir fórmulas prontas do que suportar o silêncio da própria busca.

  Por isso, tanta gente prefere obedecer a dogmas, repetir mantras decorados ou pagar por bênçãos, em vez de sentar sozinha consigo mesma.

  Não há crescimento espiritual autêntico sem a coragem de assumir a total respondabilidade pela própria transcendência.

  A maturidade espiritual começa quando deixamos de procurar guias e passamos a ouvir o que já está em nós — mesmo que confuso, fragmentado ou incômodo.

   No fim, a espiritualidade legítima não precisa de púlpito, nem de plateia, nem de manual de instruções.

  Ela começa no momento em que você para de procurar fora — e se arrisca a habitar o seu próprio vazio.

  Porque é ali, e só ali, que habita o que chamamos de sagrado.

  É lá que mora o Deus de cada um.

Edmir Saint-Clair

---------------------------------------------------------